terça-feira, 31 de maio de 2011

Filme a Preto e Branco!


No outro dia dei por mim especado a olhar para a TV. Pela primeira vez vi como deve ser e de olhos atentos os seus contrastes, e as suas cores, em escala cinza. E depressa me lembrei de uma tela de tecido que vi antes, grande como as dos cinemas, onde não havia nada projectado, só o branco das paredes. Veio-me à memória uma coisa que vi antes, o projeccionista mostrou-me, a volta rápida da película, sobre uma luz a preto e branco. Foi numa primeira vez quando estive naquela cabina de metal, o camarote do senhor, como as que têm nos cinemas, como as que mostram os filmes, a preto e branco. Eles lá tocavam o trompete e o piano, não sei como, não havia som, não havia volume... Olhei para a TV e voltei-me para os actores, tão pequenos naquela caixa e reparei que passavam por lá, de um lado para o outro, e ignoravam-me. Escondiam-se pelo cenário, confiantes que não os visse. Até que chegou a uma cena que tinha na memória. Era um rapazinho a correr na rua, naquela “calçada imunda”, de pés descalços, de cara suja. Ele viu-me e falou-me, num tom mudo que não percebi, ele bem gritou e saltou, para saber que era eu que estava ali. De camisa e boina rasgados e sapatos rotos, de mãos vazias e olhos cansados. Foi assim uma memória, turva numa imagem desalinhada, nessa película de cópia corrente, nesse filme a preto e branco.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Beijos de Mãe

Dá-me o teu beijo como se fosse meu, desde sempre. Embala-me à noite porque escusa ser abreviado, com histórias de embalar para dormir e encantar, e adormece, encosta a cabeça, a meu lado, como quem comigo sempre quis, e sempre quer ficar. Dá-me o teu beijo, como eu te dou os meus, entrega-mos enquanto adormeço, não direi não, nunca adeus. Dá-me o teu beijo, oh sim sabes bem, que são tal como os exijo, mos sabes dar como ninguém. Mas quando estou mesmo para adormecer, mesmo quase, ouço os teus sussurros, vêem da parte de trás dos ouvidos, uns sons curtos e não definidos, e sonolento pergunto-me quem estará lá a falar… E quando me beijas, quando pensas que já estou a dormir, com os teus lábios, presos à minha pele, é ai que todo o tempo pára para sorrir. Só consinto a tua respiração, a tua pulsação, junto de mim e do meu coração. O teu cheiro enche-me os pulmões, o cheiro do teu perfume. O cheiro de 97, o cheiro a cartas e a cassetes. Sempre como foi, sempre como será costume, um ano, dois anos, três anos depois, depois de tantos carinhos que tua paciência me deu. Dois beijos trocámos, emprestei-te o meu e deste-me o teu, como de Mãe e Filho se fez, para adormecer naquele tempo de outrora, todos os dias, uma e outra, mais uma outra vez. Não vai chegar nunca ao fim, não vai chegar nunca por minha vontade, nunca ninguém saberá como é estar assim, como é ter os desejos que tive, e que tenho, daquela saudade. “É nos teus beijos que o sinto, o teu amor, o amor de mãe, que eu bem sei, quem mo deu e quem o tem.”