sábado, 6 de agosto de 2011

Carta Velha!

Esta vai ser mais uma das muitas cartas que vou escrever sem endereço, ou destinatário. Vai ser mais uma das cartas que ficam guardadas na gaveta da minha cómoda porque nenhum se dá à tarefa de lê-la. Vai ser mais uma carta amargurada que não vai sair da minha mão por receio da impressão alheia! A cada suspiro perdido que dê, a cada lágrima lavada, a cada olhar divagado, que o toque se torna mais incerto. O fôlego torna-se ofegante, torna-se difícil de respirar. A chuva que cai lá fora não acalenta o meu coração frágil, e a medicação não é forte o suficiente. Aqui agora, enquanto escrevo isto na minha velha secretária de madeira, as nuvens escravas cobrem o Sol que se esconde por ter vergonha. Está escuro. Mas que pena… A minha mão atraiçoa-me, faz-me engodar nas palavras pela simples vontade de não ter intenção de parar de dançar, no seu trémulo esforço para se aliviar. ‘Para trás e para a frente’. Lá fora está frio, no sopro e no soalho. As árvores movem-se com a vontade do vento, e não há ninguém na rua. Resguardam-se todos nas suas moradas… com as suas famílias… com os seus aliados, com os seus defensores… e eu fico sem saber o porquê. Vão deixar-me aqui sozinho? Deixar-me a divagar pelos poemas de amor que fui guardando? Pelas fotos que ainda sorriem? E, impressionantemente, pelas memórias que ainda me restam? Que tortura, que desalento! Saber que estão todos aí. Vocês: anónimos de caras escondidas. Tão longe de mim como a distância que afasta o vidro da janela do meu apartamento. E eu aqui continuo, como no início desta carta, como desde que disse que ninguém testemunharia esta escrita. Mas se calhar engano-me… Como tantas outras vezes na vida, não tenha aflição meu pobre coitado… quem não se importa já está acostumado!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Os poemas que não te escrevi...

Sempre que me levanto, sempre que acordo de manhã, sinto uma falha medonha de algo. Vê-se nos meus olhos, no seu reflexo, trespassa-lo, e sente-se no meu toque, quando pego no lápis, repete-lo. Sinto um vazio medonho de leitura e de escrita. Depois lembro-me daqueles dias, daquela altura distante, do teu olhar cruzado no meu, e do teu sorriso a melindrar a seriedade, e dos poemas que não te escrevi por não ter vontade. Tantas palavras sem timbre, tal sensibilidade perdida. Tantas folhas em brancura oca, tal originalidade prostituta. Sempre que adormeço estão ainda lá aquelas sombras, daquelas palavras coitadas, que não conseguem ser rimadas. Mas porquê? Mas que incómodo todos os dias? É verdade, não há teatro nem ilusão, não há grande volta a dar às cantigas que não trovei. Ao lume das estrelas não há muito que contar, tu sabe-lo muito bem. E mesmo assim arrependi-me, como se tivesse pecado, como se tivesse falhado um erro condenável. Mas porquê? Pois bem… quando receberes todas as cartas com todas aquelas listas escritas, todas bem preenchidas, todas bem recheadas relembra as origens do que perdeste, do que não quiseste ler, e dos poemas que não te escrevi. E neste instante fico a pensar, nas causas ou motivos para não escriturar ainda. Como de noite ou de dia… à luz das velas outra vez… aquela saudade de outrora, de escrever poemas que um outro não fez.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Diário de menina...

"Bom dia, Diário. Aqui me tens mais uma vez a escrever-te as minhas confidências, os meus desejos, as minhas esperanças. Não são muito diferentes daquelas que já te falei tantas vezes. Os meus medos, as minhas ansiedades, os meus receios. Ainda não mudaram desde a última vez que te os confidenciei.
Só que hoje vai ser diferente. Hoje não te vou contar o que se passou comigo. Não vou deixar registado mais um dia na vida de uma simples rapariga. De mais uma rapariga. Vou fazer uma coisa diferente: Vou contar-te uma história. Consigo imaginar o tempo que perdes a ler aquilo que te escrevo, e possivelmente vais perder mais algum a ler o que estará escrito a seguir, mas PROMETO que não será em vão.
Peço já desculpa se aquilo que tentares decifrar de seguida não corresponder ao que realmente se passou, tenta perceber, a memória não dá para tudo. Passo ainda a explicar que, o motivo mais provável para que só agora “te confiar o suficiente” para falar sobre este assunto ter sido o meu medo (sim, mais um) de começar uma luta que não pudesse ganhar.

Vamos lá começar então: Era uma vez, há muito tempo atrás, havia uma menina que gostava muito de um rapazinho, que vivia muito longe. Ela tentava sempre que podia estar a mais próxima possível do tal rapazinho, mas ele não queria. Ela gostava muito dele. Mas ele não gostava muito dela. Dizia que sim, e fazia-a acreditar que sim, mas lá bem no fundo do coração do rapazinho, isso era mentira.
Quando a menina começou a olhar para o coração do rapazinho, em vez do que para o que ele dizia, ela começou a perceber… Quando certas palavras deixam de ser ditas, os olhos deixam de ver a mesma coisa, a pele deixa de ter o mesmo toque, e essa pessoa deixa de saber ao mesmo. Até com uma simples expressão, uma promessa dita num tom diferente e para aquela menina as coisas deixaram de ser o mesmo.
Mas mesmo que estivesse tudo à vista à frente dela, continuou a fechar os olhos, a acreditar que o tal rapazinho continuava a ser como ela o conheceu. Continuou a acreditar que se, e só se, pudesse estar com ele mais uma vez, as coisas iam melhorar. E a menina esperou, e esperou, mas o rapazinho não apareceu. Nem nunca disse que queria que a menina fosse ter com ele.
Chegou então o dia em que o tal rapazinho disse à menina que gostava mais de uma outra rapariga. Que não a queria mais, junto a ele. Acho que posso dizer que a menina nem soube como reagir ao que o rapazinho lhe disse, se calhar nem hoje saberia. Ficou fixada apenas na ideia que queria ter daquele menino. Daquele sentimento que julgava infinito, incontrolável, imutável. A menina percebeu então que aquele rapazinho tinha morrido. Tinha morrido para ela da mesma maneira que ele lhe perfurou o coração, não deixando o seu sangue correr. Para ela, ele morreu da mesma forma que se secaram as suas lágrimas.
Era assim que a menina acordava todos os dias. Quando todos os dias acordar nem deveria ser uma opção. Quando por dentro não se quer comer, não se quer andar, não se quer continuar. Aquele rapazinho deixou a menina num estado muito mal, quando ela se apercebeu que o tempo para lutar já tinha passado. Ainda teve a bravura de lhe explicar que o ‘amava’.
E foi nesse tempo que a menina fez a si própria uma promessa. Ela disse que mais nenhum rapazinho a ia deixar assim. Prometeu que nunca mais se ia deixar levar pelo amor que não existe, pela impressão que não aconteceu. Fez força para que o que restasse do seu coração se fechasse. Para nunca mais abrir. Para nunca mais sentir aquele ‘terror’ que a assombrou durante tanto tempo. Naquele tempo não poderia dizer isto, mas essa menina estava tão enganada.
Quando te escrevo isto meu Diário, enquanto te tentei explicar toda esta história, sentia memória lá bem no fundo… Eu que nunca fui rapariga de me queixar do que não devia, mas devo dizer: “Dói muito!”. Esta é a história de quando eu fui aquela menina. De quando dei as suas passadas, fiz as suas conversas, vi os seus sonhos (e as suas tristezas). Mas enquanto doía, apercebi-me que estava lá mais alguma coisa.
Posso agora contar outra história. Quando passei de uma simples menina, a uma rapariga crescida. As pessoas deixam de ter a mesma cara, é verdade. Deixam de ter as mesmas qualidades, os mesmos defeitos… tal e qual como eu. Mas para quem acredita no destino, sabe que o coração de uma rapariga pode ser roubado se for da maneira certa. Para quem não acredita, podem chamar-lhe de coincidência. Quando o rapazinho certo disser aquelas palavras, te der aquele toque, te saber àquele sabor… então sabes que sim, pode acontecer.
Se ainda fosse a menina que fui há uns anos atrás, veria esta de pulsação de hoje, incessante, como uma doença grave. Veria esta vontade constante como um sinal anormal. Quando não se pensa em mais nada se não naquele pensamento. Quando só se escreve sobre ele ou para ele. Quando existiu a esperança para esperar outra vez. Quando se quer dizer adeus à vida que se teve, para começar uma nova. Quando se consegue perdoar, sem nunca esquecer, e se consegue confiar depois da cilada.

Bem, estou a ver que me estiquei um bocado. Mas não te esqueças, eu lá no cimo avisei que ia ser um bocado longo, e mesmo assim acho que não consegui dizer-te tudo o queria. Acho que o que quero dizer é: Não vale a pena dizer que ‘acabou’, quando na verdade, ainda agora começou. Não queria escrever a palavra “Amor”, mas quando supostamente é tão grande, tenho a certeza, que virá um ainda maior a seguir. Também sei que isto vai ser um grande cliché, as minhas desculpas por isso, mas quando dizem que “a esperança é a última a morrer”, a verdade é que isso acontece mesmo. Diário, quando acabares de ler isto deixo-te as opções em aberto. Apaga, reescreve, faz o que quiseres. Mas nunca te esqueças deste pequeno conselho, desta parte da minha vida que usei para te ajudar (não para assustar).
Até uma próxima, meu querido diário, da menina crescida que te escreve sempre que pode. Voltarei em breve para te contar como são os dias na minha vida, e como é claro, para saber como vão indo os dias na tua."

terça-feira, 14 de junho de 2011

Inferno Sentido!

Hoje estava eu descansado, na sala de aula, quando uma dor no peito me fez curvar, me fez dobrar, me fez cambalear. Só eu a senti, mais ninguém viu. Queria tanto, apeteceu-me tanto fechar a luz naquele momento, clicar no interruptor e ficar tudo escuro, mas não tive coragem, tive medo… Tive como quem tenho medo, muito medo mesmo, sinto tanto medo. Mas de quem? Do quê? Do meu patrão? Com ele sei eu lidar bem. Dos meus pais? Com eles eu já falei… Dos meus amigos? Não, nem pensar! Então, de que tenho eu medo?
Será que é de me deixar levar? Será que é de olhar nos olhos da verdade? Será que é de tu te puderes deixar levar? Será que é de olhar nos olhos da realidade? De querer e não puder? Ou, de conseguir e não merecer?
Humm… acho que já sei… Sim, tenho quase a certeza. Tenho medo é do escuro que vem quando carrego no interruptor, quando o desejo e ambiciono, só fico triste por querê-lo, fico indiferente por finalmente tê-lo. Mas mesmo assim tenho medo… Tenho medo porque ainda ontem lá estive, em baixo, a bater à porta. Os senhores do Inferno é que não me deixaram entrar! E hoje, vejo-me a mim próprio a descer até lá abaixo outra vez, e a única coisa que tenho para prová-lo é esta recordação que trouxe comigo para cima da última vez. É esta dor que trago trancada dentro do peito, mas que mesmo assim ninguém consegue ver.
Quando lá cheguei acima, ontem, à tardinha, ainda estive à espera de alguém que conhecesse. Mas não apareceu ninguém. Eu bem que ainda chamei, mas não apareceu ninguém. E como não apareceu ninguém, para que pudesse contar o que tinha visto e onde tinha estado, segui sozinho para casa. Hoje, quando cheguei à escola notei que ninguém tinha dado pela minha falta. Sentei-me, preparei-me, e comecei a tirar apontamentos... mas quando já estava embalado e preparado para seguir a aula, fiquei surpreso quando voltei a descer, a cair, até lá abaixo…

terça-feira, 31 de maio de 2011

Filme a Preto e Branco!


No outro dia dei por mim especado a olhar para a TV. Pela primeira vez vi como deve ser e de olhos atentos os seus contrastes, e as suas cores, em escala cinza. E depressa me lembrei de uma tela de tecido que vi antes, grande como as dos cinemas, onde não havia nada projectado, só o branco das paredes. Veio-me à memória uma coisa que vi antes, o projeccionista mostrou-me, a volta rápida da película, sobre uma luz a preto e branco. Foi numa primeira vez quando estive naquela cabina de metal, o camarote do senhor, como as que têm nos cinemas, como as que mostram os filmes, a preto e branco. Eles lá tocavam o trompete e o piano, não sei como, não havia som, não havia volume... Olhei para a TV e voltei-me para os actores, tão pequenos naquela caixa e reparei que passavam por lá, de um lado para o outro, e ignoravam-me. Escondiam-se pelo cenário, confiantes que não os visse. Até que chegou a uma cena que tinha na memória. Era um rapazinho a correr na rua, naquela “calçada imunda”, de pés descalços, de cara suja. Ele viu-me e falou-me, num tom mudo que não percebi, ele bem gritou e saltou, para saber que era eu que estava ali. De camisa e boina rasgados e sapatos rotos, de mãos vazias e olhos cansados. Foi assim uma memória, turva numa imagem desalinhada, nessa película de cópia corrente, nesse filme a preto e branco.